A Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás manifesta
publicamente seu repúdio a toda e qualquer prática de militarização da
educação pública goiana e afirma preocupação com as matérias
recentemente publicadas em diferentes meios de comunicação que noticiam a
ampliação do número de escolas públicas geridas pela Secretaria da
Segurança Pública/Polícia Militar (SSP/PM) no estado de Goiás.
Conforme
as referidas matérias, o Governo de Goiás, sob o pretexto de diminuir a
violência, passará para a administração da SSP/PM mais dez escolas em
diferentes cidades do Estado de Goiás, com mais 4.732 vagas no ano de
2014. Dessa forma, o governo de Marconi Perillo delegará a
responsabilidade de dezesseis escolas públicas (já existem seis) à
Secretaria da Segurança Pública por meio da Polícia Militar do Estado de
Goiás (ver matérias veiculadas no Jornal O Globo, de 16/01/2014, no
Portal Aprendiz UOL (17/01/2014) e no próprio site da Secretaria de
Estado da Casa Civil, em 22/01/2014).
Ainda conforme o
noticiado, para se manter em uma escola dirigida pela PM, cada aluno
deverá pagar a matrícula, no valor de R$ 100, e uma mensalidade de R$
50. As famílias dos alunos deverão custear também o material didático -
valor de dois livros: R$ 300 – e o uniforme (de motivos militares,
incluindo os sapatos), adquiridos fora do estabelecimento escolar e que
podem chegar a até R$ 600. Ou seja, para manter o filho em uma escola
“pública” dessa natureza, a família terá que despender, anualmente,
cerca de R$ 1.500. Caso não possa arcar com esse valor, o aluno terá que
ser matriculado em outra escola da rede pública. A seguir nessa
direção, talvez seja preciso que nos indaguemos se a escola pública
continua a ser pública
A respeito da política
governamental que amplia o número de escolas públicas geridas pela PM e
do que foi acima relatado, o primeiro ponto a ser destacado é que, em
âmbito estadual a responsabilidade de garantir e promover o ensino
público, sobretudo o Ensino Médio, é de responsabilidade da Secretaria
Estadual de Educação do Estado de Goiás (SEE/GO). Ao transferir essa
responsabilidade, sob qualquer alegação, para outra pasta, a SEE/GO,
além de se abster de seu papel primordial, declara publicamente sua
incapacidade de cumprir com as tarefas que justificam sua criação e
existência. Faz-se necessário lembrar,
ainda, que a Secretaria de Segurança Pública, por meio da polícia
Militar, tem o papel e a competência de manter a segurança da população,
não de gerir estabelecimentos escolares.
Em relação à
violência, tema que preocupa a todos nós, vale lembrar que a escola faz
parte da sociedade e que as práticas violentas observadas no interior
das instituições e a seu redor refletem os problemas e os conflitos
presentes em todos os âmbitos da vida em sociedade. Abordar a violência
em âmbito escolar sem o entendimento do contexto em que ela se insere é
ignorar relações muito complexas. Nós na universidade conhecemos as
escolas não somente porque pesquisamos a respeito delas, mas também
porque muitos de nós nelas fomos ou somos docentes. Conhecemos a escola
por dentro e por fora, sabemos que a violência é algo grave e que afeta
a todos nas instituições educacionais, mas a militarização não é saída,
em primeiro lugar porque qualquer saída não basta (certas vias podem
nos levar a precipícios…) e em segundo lugar porque há outras vias, mais
desejáveis e mais condizentes com um país democrático e respeitoso do
direito de seus cidadãos.
Existem experiências exitosas
nas quais a escola, junto com toda a comunidade, tem enfrentado as
situações de conflitos buscando saídas político-pedagógicas. Sabemos que
não é simples, mas que não é impossível buscar formas alternativas de
fazer deste espaço um lugar que cumpra de fato com seu papel educativo. A
história nos mostra que projetos educacionais que agem sob repressão
não são exitosos, pois, além de confrontarem os princípios democráticos,
preceito caro para um país que viveu duas décadas sob o regime militar,
tais projetos terminam por reproduzir a exclusão e o enfraquecimento do
direito ao acesso de todas as crianças e adolescentes à escola.
Outro
ponto a ser destacado diz respeito ao pagamento de taxas e a compras de
livros e uniformes em uma instituição pública. Tais práticas, à medida
que incorporam a lógica do privado ao setor público, sinalizam afronta à
Constituição Federal, pois esta estabelece, em seu Art. 208, que é
dever do Estado garantir “educação básica obrigatória e gratuita dos 4
(quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua
oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
própria”. É irretorquível. Ademais, deve-se acrescentar ainda que é
absolutamente descabido demandar a alunos matriculados em um
estabelecimento sob a responsabilidade do poder público que comprem os
próprios livros didáticos, sendo que o Ministério da Educação, com o
Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), oferece livros didáticos para
esses alunos.
De acordo com as matérias aqui
mencionadas, estabeleceu-se que o diretor da escola será um policial com
formação em Pedagogia e que as aulas de Educação Física serão
ministradas por policiais militares, ficando as outras disciplinas a
cargo dos professores da rede estadual. Dessa forma, a cessão da gestão
das escolas públicas à PM representa não somente uma medida sem amparo
no espírito que orienta a atual LDB como também uma afronta aos
princípios de gestão democrática
da escola pública, como expressos no Art. 54 e 55 das Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (CNE, Resolução N.º
4/2010). Nesse contexto, é oportuno ressaltar o fato de que os próprios
profissionais da educação passam a experienciar uma situação
constrangedora, pois se submeteram a um concurso público cujo lugar,
muitas vezes, foi obtido com dificuldade e agora precisam se submeter a
um gestor escolar que não está em relação de isonomia com eles, visto
que o diretor é proveniente de carreira militar, ocupando função de
direção da escola sem concurso específico ou eleição direta.
Longe de esgotar o tema, questionamos aqui a diferenciação que o
processo de militarização estabelece entre as escolas públicas do Estado
de Goiás. Os equívocos são graves e as consequências podem representar
um retrocesso na consciência política da sociedade goiana, pois as
medidas que buscam a diferenciação das instituições escolares podem
trazer, subliminarmente, o entendimento de que as camadas populares
devem receber tratamento diferenciado, disciplinador, definido segundo
um ponto de vista centrado no controle, e não busca de resolução dos
conflitos presentes na sociedade. A militarização de parte das escolas
pode, ainda, criar a ideia de que se busca oferecer – e não importa a
que preço, tampouco os princípios sacrificados – algumas ilhas de
excelência entre um conjunto de escolas públicas e professores em
penúria. Enfim, entendemos que a opção pela militarização de escolas
públicas nos afasta de um ideal republicano, que prevê a garantia da
educação pública de qualidade a todos os cidadãos, sem qualquer
distinção. Questionamos veementemente a política e a concepção de
educação encoberta por essas medidas.
A escola pública e
seus profissionais são perfeitamente capazes de assumir suas
responsabilidades, desde que lhes sejam dadas as condições para tanto.
Bases que possibilitem desde a valorização profissional em relação ao
salário e à carreira, bem como, destaque importante, igualmente em
relação ao apoio para a organização do trabalho pedagógico adequado às
questões reais a serem enfrentadas. Isso exige equipe técnica capacitada
nas secretarias de educação e, além disso, maior aporte de recursos e
interesse do governo estadual, em conformidade com o que a sociedade
goiana espera de um governo democraticamente eleito.
A escola
pública é um direito, um direito de todos, independente das condições
sociais de cada família. A Faculdade de Educação, com seus mais de 45
anos de existência, manifesta-se aqui publicamente pela garantia desse
direito.
Goiânia, 26 de fevereiro de 2014.
Postado por:
Bruna Diniz e Maria das Dores
Graduandas do Curso de Pedagogia e Bolsistas do PET.
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