quinta-feira, 11 de agosto de 2011


Prêmio Anísio Teixeira 2011:
comunidade científica, relações de gênero e escola básica

Luciano Mendes de Faria Filho[1]
Eliane Marta Santos Teixeira Lopes[2]


Em cerimônia bastante concorrida, no  dia 11 de junho,  a Presidente Dilma Roussef  entregou a cinco pesquisadores brasileiros o Prêmio Anísio Teixeira. A solenidade faz parte das comemorações dos 60 anos da CAPES. O prêmio, segundo o site da CAPES, a instituição que, a cada 05 anos, escolhe os agraciados,  “ é uma homenagem ao educador Anísio Teixeira, intelectual baiano que difundiu o papel transformador da educação e da escola para a construção de uma sociedade moderna e democrática.” Todos escolhidos  - Álvaro Toubes Prata, engenharia; Fernando Galembeck, química;  João Fernando Gomes de Oliveira, engenharia;  Luiz Bevilacqua, engenharia;  Nelson Maculan Filho, engenharia -  são cientista de grande destaque em sua área de atuação e nas comunidades científicas nacional e internacional. Merecem, pois,  os parabéns de todos nós!

Chama a atenção, no entanto, o fato de que nenhuma mulher tenha sido escolhida para receber tão importante, rara e, por isto mesmo, de grande valor simbólico, condecoração.  Considerando que há, em todas as áreas de conhecimento, mulheres que são excelentes cientistas,   há que se perguntar o que isto revela sobre as relações de gênero na comunidade científica nacional. Sendo esta uma temática que já foi objeto de inúmeros trabalhos e discussões acadêmicos, gostaria aqui apenas de ressaltar que a premiação parece revelar o quanto a comunidade científica também está sujeita às desiguais relações de gênero que perpassam  nossa sociedade. 

É evidente que a premiação aludida é apenas a forma como, neste momento, tais desigualdades vêm a público; ele é, por assim dizer, a ponta do iceberg. Afinal, não é do desconhecimento dos cientistas das  mais diversas áreas  que as mulheres estão longe de alcançar,  postos de comando de agências de fomento, comitês assessores e  nas reitorias de nossas universidades, a mesma presença que têm na   produção científica nacional.  Ou seja, mesmo que uma mulher tenha chegado ao mais alto posto da República, é desolador ver que, mesmo ela, tenha que se curvar às formas desiguais com o poder está distribuído no interior da comunidade acadêmica. A este respeito, posso estar enganado, mas assistindo à cerimônia pela televisão é visível a surpresa da Presidente quando viu que apenas aqueles 05 seriam os agraciados! Será que ela esperava que houvesse mulheres entre eles? Talvez.  

É interessante notar, ainda, que dentre os premiados não há ninguém da área das ciências humanas e sociais.  A respeito disso, é importante lembrar que naquela é considerado hoje pelo governo federal como o mais ambicioso projeto de formação de cientistas e internacionalização da pesquisa brasileira – o recém lançado Ciência Sem Fronteiras, que pretende enviar mais de 70 mil jovens brasileiros para estudarem no exterior, facilitar a vinda de pesquisadores estrangeiros ao Brasil e “repatriar” pesquisadores brasileiros que estão no exterior – também as ciências humanas e sociais foram muito tangencialmente contempladas. Poderíamos  perguntar:  seriam estes fatos  reveladores de que é possível transformar o Brasil apenas com engenheiros, físicos, biológicos, químicos, desde que altamente qualificados? Ou, de outro modo, seriam reveladores da baixa valorização da contribuição das ciências humanas e sociais à democratização e ao desenvolvimento social e econômico do país?

Porém, a entrega do Prêmio Anísio Teixeira de 2011 é revelador de outra coisa: dentre os escolhidos não há nenhum que o tenha sido por contribuição relevante à educação básica. Ora, como sabemos, Anísio Teixeira foi o Fundador da CAPES. Mas, antes e acima de tudo, ele foi um intelectual, pesquisador,  gestor e ativista ligado á causa daquela que, hoje, chamamos de educação básica. Esperava ele, inclusive, que a CAPES pudesse dar uma contribuição substantiva á superação daquilo que ele mesmo, desde os anos 20, vinha denunciando como um dos grandes entraves á democratização do Brasil: a educação de qualidade era um privilégio de alguns poucos.

Pois bem, apesar de ser uma homenagem a Anísio Teixeira e na cerimônia a importância da escola básica ter tido destaque, inclusive porque a CAPES tem, agora, importantes responsabilidades com esse nível da educação,  soa muito estranho que nenhum pesquisador, que nenhuma pesquisadora, tenha sido escolhido por sua contribuição à educação pública que é oferecida à imensa maioria da população brasileira. Mais uma vez, a opção foi por privilegiar aqueles que, de forma reconhecidamente competente, diga-se de passagem, contribuíram com o ensino superior e  com a pós graduação. Isto não é pouco mas, convenhamos, não faz justiça a todo o legado anisiano.  Considerando o valor simbólico do prêmio como um reconhecimento não apenas ao agraciado, mas, também, de sua área de atuação e contribuição, o esquecimento dos pesquisadores que, por meio de suas pesquisa  em diversas áreas do conhecimento contribuem para a melhoria da escola básica, soa  estanho, sobretudo neste momento em que a CAPES se esforça para estruturar de ações estratégicas nível da educação pública.  



[1] Professor Associado da UFMG, ex-Coordenador o Comitê de Assessoramento de Educação do CNPq  e Coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022.
[2] Professora Titular (Aposentada) da UFMG e pesquisadora de  história da educação e relações de gênero.

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