Boa noite!
De início,
quero agradecer ao Pet Pedagogia, na pessoa da Professora Niédja, o convite para
participar dessa mesa de encerramento do V
Seminário Percursos do Pensamento Educacional Contemporâneo (SePPEC) que, nessa
edição, tem como tema Educação Infantil: conquistas, embates e desafios na
contemporaneidade.
Quero, em
princípio, destacar a relevância da discussão dessa temática no momento atual e
esclarecer, de antemão, que falar das paixões e dos desafios do ser professor
na Educação Infantil não se constitui em tarefa simples, especialmente para
quem, embora interessado nessas questões, não vem se dedicando exclusivamente
ao seu estudo. Considerando isto, esclareço que tentarei abordá-la enquanto
formadora de professores para atuarem nesse âmbito. Buscarei tratar, portanto,
dos desafios (e também das paixões) que, hoje, no nosso curso de Pedagogia,
estão implicados na formação de professores para atuarem na Educação Infantil.
Falar sobre
isso exige abordar, em princípio, quando e como a Educação Infantil foi
inserida, de fato, na formação docente levada a cabo em nosso curso. Isso se
deu especificamente quando houve a reformulação do nosso projeto pedagógico,
ocasião em que, em virtude das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos
de Pedagogia, publicadas em 2006, fomos impelidos, enquanto curso de formação
de professores, a também formar professores para a Educação Infantil, o que não
fazíamos até então, já que o curso se voltava, desde a sua criação, em 1979, a
formar docentes para a atuação no que, em princípio, chamava-se de séries
iniciais do primeiro grau e, mais tarde, de anos iniciais do Ensino
Fundamental. Portanto, por quase três décadas, o nosso curso de Pedagogia
consolidou uma história de formação centralizada na compreensão da docência nos
primeiros anos do Fundamental I e, a partir das referidas Diretrizes, viu-se impulsionado
a incluir, em seus objetivos e estrutura curricular, a formação do professor
para a primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil.
Tal inclusão
não parecia, naquele momento, tarefa fácil, como, de fato, revelou não ser.
Faltava-nos lastro, uma base sobre a qual pudéssemos nos sustentar ao definir
os caminhos dessa nova formação. Mas se não havia essa experiência antecedente,
havia o interesse por enfrentar o novo, por dar conta do desafio de estabelecer
os caminhos dessa formação e de, efetivamente concretizá-la. Nessa perspectiva,
definir, por exemplo, que disciplinas inserir na estrutura curricular para
promover essa formação e definir a sua ementa foi, naquele contexto, desafio
significativo. Dessa forma, a inserção de componentes curriculares como Fundamentos
da Educação Infantil e o atrelamento, nas disciplinas de áreas de estudos
específicos, como Língua Materna e Arte, do trabalho na Educação Infantil e nos
Anos Iniciaisdo Ensino Fundamental, representaram, naquele contexto, uma busca
do coletivo do curso por atender à determinação legal de, enquanto curso de
Pedagogia, formar também o professor para a Educação Infantil e, mais do que
isso, por realizar essa formação contemplando o que, para nós, naquela
circunstância, era necessário para garanti-la.
Portanto, considerar
a condição pela qual a Educação Infantil passou a compor a formação docente por
nós propiciada permite avaliar que ainda hoje a Educação infantil, no nosso
curso, busca, efetivamente, consolidar-se, encontrando seu real espaço nesse
projeto formativo. Iniciativas nesse sentido vêm sendo realizadas, a exemplo da
contratação de professoras para trabalhar especificamente na área;de uma
vinculação maior do curso com as creches e pré-escolas públicas do município,
através de ações de estágio e de pesquisa e extensão, e também de eventos como
este V SePPEC. É óbvio que outras iniciativas vêm sendo empreendidas na busca
por aprimorar o inicialmente pensado e pretendido, como a reivindicação de um
espaço maior das discussões específicas sobre a Educação Infantil na grade
curricular do curso, demanda que certamente se concretizará na proposta de
reformulação que vem sendo discutida, a fim de que se encontre, na organização
de nosso currículo, um equilíbrio mais efetivo entre o voltado à Educação
Infantil e o voltado aos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Ainda há,
penso eu, dificuldades de muitos de nós, formadores, para inserir, de fato, a
Educação infantil em nossas discussões e práticas. Em virtude disso, avalio que devemos cuidar para que a arraigada concepção
de formação para o trabalho na escola fundamental não ofusque e até negue a
necessidade e a premência de pensar a atuação do professor que formamos junto
às crianças menores,de o a 5 anos, e de fomentar o entendimento das
especificidades dessa atuação.
Nessa
perspectiva, compreendo quedesse primeiro desafio, que é consolidar a Educação
Infantil no projeto de formação do curso de Pedagogia, decorrem alguns outros.
O primeiro
deles é formar um professor capaz de considerar e compreender o sujeito criança
da Educação Infantil, o qual, muitas vezes, em virtude, por exemplo, de
práticas escolares antecipatórias, focadas em rituais e obrigações típicos da
escola, é negado enquanto sujeito e, também, enquanto criança. Desse modo,
acredito que entender a criança de até cinco anos como ser ativo e capaz, com
especificidades cognitivas e linguísticas, por exemplo, é condição primeira ao
desenvolvimento de práticas que respeitem suas características e se prestem a fortalecê-las,
em vez de sufocá-las em busca de padronização e uniformização, propósitos tão
em voga no contexto presente.A respeito da visão desse ser criança,que deve ser
o alvo das iniciativas e práticas efetuadas no âmbito da Educação Infantil,
corroboro o pensamento da professora Suely Amaral Mello ao salientar que
“Perceber a criança como um ser capaz e competente abre para ela o direito à
igualdade de oportunidades, permite o acesso ao conhecimento e à cultura”,
propósitos que, ao meu ver, devem nortear os fazeres nessa etapa inicial da
Educação Básica.
Um segundo
desafio decorrente da necessidade de consolidar a Educação Infantil no projeto
de formação do curso de Pedagogia é o de nos educarmos – nós, os professores
formadores – e de educarmos os nossos alunos, a partir de nossa própria
compreensão, para entenderem a Educação Infantil como relevante etapa da
Educação Básica, superando visões pouco esclarecidas e até preconceituosas que
a veem como momento de menor importância na formação dos sujeitos, como etapa
em que a criança vai para a instituição creche ou pré-escola apenas para ser
assistida e cuidada. Nesse sentido, vejo como imprescindível, na formação docente
que propiciamos, o fortalecimento da compreensão da Educação Infantil como etapa
em que o cuidar, antes tido como objetivo precípuo do trabalho junto às
crianças menores, e o educar, hoje encarado como elemento fundamental à
formação desses sujeitos, estejam articulados, pressupondo um trabalho docente
embasado na garantia de ambos os processos.
Quanto a
isso, cabe reiterar, na formação que realizamos, a função crucial do professor
de Educação Infantil, cujo status
social ainda é o de um professor menos qualificado, de alguém que, por precisar
“somente” acompanhar crianças pequenas, não precisa necessariamente ser
capacitado para tal, uma vez que em muitos círculos ainda vigora a ideia de que
“ter um jeitinho com crianças” basta para dar conta da função. Aqui, pontuo que
este é mais um desafio, o terceiro, que precisamos enfrentar enquanto
formadores de docentes para a Educação Infantil: desconstruir, junto àqueles
que formamos, ideias errôneas e questionáveis que acabam por inviabilizar um
envolvimento efetivo na docência nesse âmbito. Compreendendo o quão importante
é essa etapa e a relevância de sua atuação nela, o futuro professor pode, ao
meu ver, sentir-se impelido e motivado a interessar-se pelos desafios e, aproveitando-me
do título dessa mesa, pelas paixões implicadas no ser professor na Educação
Infantil.
A esse
respeito, novamente trago o pensamento da estudiosa Suely Amaral Mello ao defender
que, na Educação Infantil, é papel fundamental do adulto criar, de maneira
intencional, um espaço provocador de experiências, no qual se valorize a
atividade das crianças, acompanhe-seo seu processo de desenvolvimento e se criem
vivências e experiências a serem realizadas, ativamente, por elas. Assim, a
autora caracteriza o professor que atua nesse âmbito como um criador de
mediações entre o mundo da criança e a cultura, característica que, defendo,
deve ser construída sobre fundamentos sólidos, propiciados por uma formação
docente inicial que discuta a Educação Infantil, suas características,
dificuldades e possibilidades, e que, principalmente, seja capaz de fomentar,
nesse professor, uma clara compreensão da relevância de sua atuação docente
nesse âmbito.
A formação
desse professor, por tais motivos, não deve prescindir da reflexão contumaz a
respeito das implicações sociais e políticas do ser professor na Educação Infantil,o
que encaro como mais um desafio decorrente da necessidade de consolidar a
formação desse professor no projeto do curso de Pedagogia. Compreender essas
implicações é, ao meu ver, caminho necessário ao engajamento do docente que
formamos nas lutas e questões que historicamente têm marcado a busca pela
consolidação dessa etapa da Educação Básica e pelo reconhecimento e valorização
dos que nela atuam. Penso ser este o nosso desafio mais considerável, visto
que, no momento atual, a profissão docente, e aí incluída a docência na
Educação Infantil, é cada vez mais vilipendiada, alvo de constantes ataques que
redundam na progressiva precarização do trabalho, no aviltamento salarial, na
cobrança constante por resultados e produtividade, entre outros fatores. Nesse
sentido, formar um professor politicamente consciente e apto a posicionar-se
enquanto profissional da docência num contexto de tantas incertezas é requisito
basilar dentro do projeto de formação docente que, desde 2009, com a inclusão
da formação para a docência na Educação Infantil em nosso projeto pedagógico,
vimos efetuando.
Os desafios,
como apontado, são muitos, como também são vários – formadores e formandos – os
que vêm, com afincoe compromisso – e por que não dizer, com paixão? –,
enfrentando essa empreitada e buscando, cotidianamente, aprimorá-la, tomando
por base o definido, em princípio, no projeto de curso definido em 2009. Inegavelmente,
somos guiados, nesse processo,por crenças, concepções, opções teóricas e
convicções políticas sobre as quais assentamos as iniciativas de formação que
ora desenvolvemos, no intuito de dar conta do estabelecido, naquela ocasião,
como objetivos primordiais de nosso curso: a construção coletiva da formação de
docentes para atuarem, junto às classes trabalhadoras, na Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
tendo como diretriz o compromisso social, ético, político e técnico do
profissional da educação, e viabilizar discussões teóricas e metodológicas que
possibilitem uma reflexão crítica e fundamentem ações nas políticas e nas
práticas educativas relacionadas à Educação Infantil e aos anos iniciais do
Ensino Fundamental.
Há, nesse
sentido, claros propósitos que nos norteiam nesse percurso formativo, o qual é
pontuado, sem dúvidas, pelo que o título dessa mesa denomina de “paixões” e que
eu compreendo e vou tratar como significativo interesse pela formação de um
qualificado professor de Educação Infantil. Estar interessado nessa formação e,
em decorrência, debruçar-se sobre ela, a fim de realizá-la a contento, é
condição impreterível ao alcance dos objetivos que nos guiam cotidianamente,
apesar das muitas circunstâncias adversas que intentam nos convencer de que é
perda de tempo, de que de nada adiantará investir nessa formação e se inserir
nela com interesse e compromisso.
É, então,
tomando essa reflexão como base que eu vou encerrar essa fala voltando-me ao universo
literário infantil, seara na qual também situo os meus interesses pela formação
do professor para a Educação Infantil. Há uns dias, li um belo livro cujo
conteúdo tem, ao meu ver, uma relação muito próxima com os desafios e paixões
que nos guiam em nossas ações e escolhas em diferentes campos da vida. Por
isso, ao ser convocada para fazer essa fala e ser informada do seu título, logo
pensei em inserir nela a apresentação de “Nuno e as coisas incríveis”, que
gostaria de ler para vocês agora.
(LEITURA DO
LIVRO)
Como vimos,
Nuno tinha extremo apreço pelo desenho, atividade que o motivava a se
relacionar com o mundo e a expressá-lo com beleza e sensibilidade. Entretanto,
como vimos também, enfrentou a incompreensão dos que, diferente dele, não valorizavam
sua arte e até a ridicularizavam, fazendo com que pensasse em desistir de tudo,
rasgando os seus desenhos e se fechando no recolhimento dos que desacreditam
dos seus sonhos e objetivos. Refletindo, no entanto, sobre o que o motivava e
dava prazer – desenhar –, o menino descobriu o valor de seus desenhos, sua
capacidade de “riscar poesias” e de “libertar o que as palavras não conseguiam
expressar”. Assim, descobriu também sua capacidade de fazer coisas incríveis.
Considerando,
pois, o apresentado na narrativa e o foco da discussão dessa mesa de hoje
– Entre
paixões e desafios: Ser professor(a) na Educação Infantil – e, no caso do norte a partir do qual
guiei minha exposição, que foi o ser formador do(a) professor(a) da Educação
Infantil, encerro conclamando sermos todos como Nuno, descobrindo-nos capazes
de construir coisas incríveis e de, enfrentando os desafios e as paixões de
atuar como professor da Educação Infantil ou como formador desse professor,
fazermos de nossa atuação um caminho para construir o diferente e para transformar
o que demanda ser mudado.
Obrigada por
sua atenção!
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